Existem diversas expressões aparentemente similares e disponíveis nas mídias especializadas
sobre o assunto, como orientação vocacional (OV), orientação educacional ou profissional, análise da escolha profissional, aconselhamento de carreira etc. Apesar de similares, guardam entre si algumas diferenças, que vão desde os objetivos, o público-alvo, as metodologias utilizadas em cada uma e as vertentes teóricas que embasam a forma que cada profissional pensa o processo e conduz sua aplicação. No meu caso, subsidio meu trabalho com as perspectivas psicológicas gestáltica e fenomenológica ¹, que são as abordagens que mais profundamente estudei e me qualifiquei formalmente.
Apesar da discussão acadêmica acerca do sentido subjacente ao sentido do vocábulo “vocação”, que carregaria consigo o pressuposto de que há somente um único “chamado” existencial ao sujeito ao qual ele deveria corresponder, e de que tal interpretação (de fundo místico-religioso) teria sido trazida para o campo da escolha profissional, contaminando-o equivocadamente (com a qual concordo parcialmente), utilizo preferencialmente o termo “vocacional” por questões práticas, uma vez que se trata de expressão consagrada junto ao público e tão somente para frisar um elemento que paulatinamente se perde quando, atualmente, na discussão sobre a questão, privilegia-se, como critério de escolha profissional, o “sucesso” e o tem-se como determinado basicamente pela garantia de um alto retorno financeiro na esfera laboral. Neste cenário, outros componentes como identificação, aptidões, habilidades, realização pessoal etc., são relegados a um reino utópico e romântico ultrapassado e que não deveriam mais ser colocados em pauta ou, quando muito, secundarizados ao processo que abarcaria pautas mais “realistas” e “antenadas” com os novos cenários.
Além do mais, é preciso clarificar, igualmente que, junto ao termo “orientação” não há de forma alguma a concepção implícita de que haja uma verdade a ser imposta pelo profissional ou que este detenha um conhecimento prevalente a ser incutido no trabalho com o cliente, muito ao contrário, tendo em vista as próprias bases nas quais nosso trabalho se assenta e que estão descritas abaixo ¹. Aqui, novamente o termo é utilizado para facilitar a compreensão do grande público sobre o serviço por nós oferecido e cuja expressão tornou-se familiarizada deste modo.
Dito isso, podemos dizer que, em nossa perspectiva, o trabalho, como um todo, está baseado em um processo não-diretivo (sendo que, em alguns momentos, propomos atividades experienciais semi dirigidas) de autoconhecimento, descoberta e conscientização das próprias capacidades, características pessoais, interesses, habilidades, competências e informação sobre mercado de trabalho, que passam a ser utilizadas dentro da livre escolha de cada um com vistas à construção de seu projeto profissional particular.
O serviço de orientação vocacional leva em conta diversos aspectos envolvidos na questão e está voltado preponderantemente para o autoconhecimento e o fortalecimento da capacidade de reconhecer-se autônomo e responsável pelas próprias escolhas. O papel do orientador, nesse contexto, é facilitar o processo decisório mediante provocações à reflexão sobre si mesmo e seu lugar no mundo, à pesquisa e avaliação das condições necessárias para um posicionamento mais efetivo na questão laboral, já que, ao fim, a decisão é pessoal e intransferível.
PARA QUE SERVE A OV?
O processo ajuda o orientando a evidenciar os motivos da dificuldade da escolha profissional, que podem ter diferentes origens: pressões e influências externas, expectativas familiares e sociais, auto-exigência e perfeccionismo, dificuldades no exercício da autonomia, medo do fracasso, informações insuficientes ou distorcidas sobre profissões e mundo do trabalho, ansiedade frente aos processos seletivos, etc.
EM QUE CONSISTE O TRABALHO DE OV?
Para a orientação vocacional estão previstos encontros individuais ou em grupos, com atividades variadas (entrevistas, inventários de interesses e habilidades/aptidões, exercícios criativos, teatralizações, pesquisa sobre mercado de trabalho e profissões, manejo de estresse e outras atividades desenvolvidas exclusivamente para a pessoa, à medida que o conheço mais detalhadamente, entre outros). O processo total abarca entre dez e quinze encontros, durando aproximadamente 60 a 120 minutos (a depender do número de participantes – se individual ou em grupo e de necessidades excepcionais), levando em consideração as disponibilidades dos envolvidos.
QUEM PODE FAZER OV ?
- Qualquer pessoa (sugerimos a partir dos 15 anos) que queira pensar mais detalhadamente sobre seu futuro ocupacional/profissional antes de se decidir por uma carreira específica;
- Alunos/estudantes que estejam se preparando para o ENEM ou para ingressarem na vida profissional e estejam em dúvidas sobre a carreira/ curso pretendido;
- Adultos que estejam insatisfeitos com sua profissão atual e queiram refletir/ se aplicar em
construir um novo caminho profissional ou refazer sua escolha inicial;
QUAL A IMPORTÂNCIA DE SE FAZER A OV?
O trabalho é um dos pilares fundamentais da vida humana. Mais que um “ganha- pão” ou um meio de sobrevivência, ele confere identidade e valor à existência da pessoa. Não é à toa que tão logo somos apresentados a alguém, uma das primeiras informações que colhemos ou fornecemos a ela é a resposta à pergunta: “o que é que você faz?” A ocupação básica de alguém também é a campeã na hora de se responder à pergunta: “Quem é você?”.
Desse modo, passar a vida fazendo algo apenas por necessidade, por obrigação ou imposição, sem haver minimamente alguma identificação com esse trabalho, figura entre os grandes campeões de adoecimento físico e mental observados por nós no atendimento psicológico cotidianamente. Apropriar-se um pouco mais de quem se é, dos próprios valores e motivos que nos levam a escolher como pretendemos viver nossas vidas é de suma importância na hora de optar por uma profissão, ainda que mais adiante resolvamos mudar nossa decisão inicial. Quem já não se deparou com profissionais insatisfeitos com o que fazem – e o fazem mal por conta disso? Professores sem nenhuma didática ou vontade de dividir o conhecimento, médicos que parecem nunca terem feito o juramento de Hipócrates: “A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação […] Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu doente” ; funcionários públicos sem nenhuma probidade e que atendem de má vontade à população que de seus serviços necessita? São apenas alguns exemplos.
Este é um dos motivos pelos quais abordamos também, na OV, reflexões sobre as implicações sociais do exercício da profissão que abraçamos, já que somos interdependente e mutuamente afetados pelas escolhas uns dos outros.
¹ – Resumidamente:
Pela perspectiva fenomenológica, a atitude do orientador é propiciar um espaço de cuidado e atenção plena ao orientando, a despeito de interpretações teóricas rígidas e prévias, de tal modo que ele, nesta atmosfera, seja convidado a desvelar as inúmeras possibilidades de existir no mundo, para além das determinações que lhe foram e são impostas cotidiana e externamente, desconstruindo-as e atribuindo significado às suas próprias experiências, o que até então, pode lhe ter sido negado. Isso porque, no cenário atual, são evidentes as determinações para que nos deixemos absorver por imposições generalistas ditadas por projetos de controle, produção e consumo que abortam singularidades e formatam comportamentos. A elas somos convidados a corresponder o tempo inteiro, e o fazemos, por vezes, por intermédio de escolhas inautênticas, com as quais não temos uma relação de sentido singular. De tal feita, neste abrigo de franca interlocução e sem direcionamentos, o processo incita o orientando à reflexão sobre seus limites, medos e expectativas, compreendendo estarem elas entremeadas por um conjunto de circunstâncias às quais precisa realisticamente atentar de modo responsável e assim conduzir as escolhas que considera serem mais condizentes com seu modo próprio de existir.
Já pela perspectiva gestáltica (uma de suas raízes é justamente a fenomenologia), nos orientamos por uma visão integradora do homem, procurando vê-lo como um todo, sem qualificações e estereótipos apriorísticos. Eventuais conflitos, desajustamentos e patologias associadas às dúvidas ou problemas que o trouxeram ao atendimento são percebidos como parte de sua constituição atual e como sendo as respostas possíveis que ele pôde dar aos desafios que lhe foram colocados em seu percurso existencial até o momento. Nessa abordagem, cada pessoa que vem até nós é considerada única, igualmente capaz de superar modos disfuncionais de lidar com seus problemas e se reorganizar, desde que consiga ampliar sua consciência sobre seu próprio modo de agir, pensar e sentir, alcançando, assim, um melhor equilíbrio existencial. Nosso papel é acompanhar o cliente em uma relação dialógica provocadora, humana, experiencial e criativa (um dos pilares dessa perspectiva), voltada para facilitar uma postura mais autorreguladora, autônoma e responsável, o que muito o beneficiará diante da tomada de decisões vida afora, incluindo aí, a carreira profissional que queira seguir.