“Dá-me a tua mão desconhecida que a vida está me doendo e eu não sei como falar”
Clarice Lispector
Se buscarmos definições e sinônimos para a palavra angústia, encontraremos inúmeras delas, nos dicionários: sensação de sufocamento, aflição , medo intenso, agonia, peito apertado, ansiedade, insegurança, falta de humor, opressão dolorosa, inquietude profunda, apreensão, tormento, tortura, tribulação, entre muitas outras. Com tamanha conotação negativa, é esperado que muitos de nós pensemos na angústia como algo terrível e que deve ser evitado a todo custo. Afinal, quem, a princípio, desejaria sentir tudo isso? Até mesmo os rotulados “masoquistas” ou outros que promovem e ou incentivam algum tipo de autoflagelo, seja em função da cultura de seus países ou filosofias pessoais, o fazem, “paradoxalmente”, na expectativa de obter algum alívio ou uma recompensa prazerosa, ainda que futura.
O que dizer, então, sobre “sentir-se angustiado” em uma sociedade pós-moderna, que foca as recompensas imediatas e a satisfação instantânea? Na qual a medida do sucesso é dada por quanta felicidade e bem-estar se é capaz de demonstrar e onde sentimentos como tristeza, insegurança, insatisfação ou dúvida, não passam de indícios para se estabelecer quão “patológico” ou “mal-sucedido” o indivíduo é? Nesta conjuntura, aos “desajustados” parecem restar algumas poucas alternativas. Entre elas, o isolamento e ou a teatralidade: um “fazer de conta” que se está muito bem, obrigado, para não ser estigmatizado pelos demais. Rótulos, para quem não souber “representar” é o que não faltam: estressado, depressivo, vítima, mal humorado, energia ruim etc. A ordem do dia, por todo lado é: “fuja deles!”.
Na concepção médica restrita, se considerada por um paradigma unicamente fisiológico e biologizante, a angústia é assemelhada à depressão e à ansiedade em termos de sintomatologia e por ser tida como uma doença e, como tal, precisa ser tratada. Obviamente, se pensamos sobre distúrbios contínuos e recorrentes que paralisam os indivíduos, dificultando-lhes a execução de suas tarefas diárias e ou impedindo-os de ter uma qualidade de vida razoável, ao menos, precisam ser acompanhados com cuidado. Em paralelo com a psicoterapia, requerem, por vezes, intervenções medicamentosas prescritas por profissional competente e credenciado. No entanto, neste momento, estamos nos referindo àquela sensação de difícil explicitação que nos invade vez por outra, que nos faz questionar a nós mesmos, nosso lugar no mundo, o sentido de nossa existência. Que dói e machuca, sem podermos precisar exatamente onde, como e porque surge. Que atmosfera é essa que nos ronda atualmente e que faz pressupor, de antemão; que tais sentimentos denunciam a existência de uma psicopatologia que deve ser eliminada como um vírus mortal? A concepção vigente que faz com que as pessoas se julguem doentes por não se sentirem “felizes e bem-adaptadas” o tempo inteiro? De onde tamanho incômodo diante de sentimentos como a tristeza e a solidão – inerentes à condição humana – caso tenhamos nos esquecido desse “detalhe”, e a rejeição a qualquer tipo de sensação que não seja a “alegria” esfuziante e permanente, não importa se autêntica ou fabricada? Faz-nos lembrar uma ponderação do Barão de Montesquieu : “Se quiséssemos ser apenas felizes, isso não seria difícil. Mas como queremos ficar mais felizes do que os outros, é difícil, porque consideramos os outros mais felizes do que realmente são.”
Como antídoto contra a angústia, e para “garantir” a felicidade a todo custo, dispõe-se a cada dia de um novo arsenal de diversões, passatempos e ocupações que, ao fim, mostram-se extremamente úteis para eximir o homem do encontro consigo mesmo. O mesmo burburinho externo que fornece álibis para a procrastinação desse encontro pode, também, lamentavelmente, tolher profícuas descobertas. Carl Yung já havia dito que ”Não há despertar de consciências sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo, para evitar enfrentar a sua própria alma”.
Algumas correntes filosóficas falam da angústia como uma percepção mais profunda e singular frente à liberdade que nos constitui e das escolhas que temos de fazer diante de nosso destino. Por isso mesmo, a privilegiada possibilidade que advém de acolhê-la e, nesse exercício, descobrir-se mais livre, mais quem se é de fato – um ser único. Para quem não se deixa subjugar e ou convencer pela ditadura moderna de um “Carpe Diem” superficial e descontextualizado e se debruça um pouco mais corajosamente sobre si mesmo, descortina-se a oportunidade de se aperceber que a angústia, por si só, não representa um mal a ser extirpado. Antes, pode representar um percurso crucial, a partir da qual o homem pode dar-se conta de si próprio e de suas possibilidades existenciais.
Esta experiência de “autoescavação” é uma das mais profundas e humanas que se pode vivenciar e a psicoterapia é um espaço especialmente propício para tal. Neste momento “sagrado”, a alma busca por si mesma. A partilha desse momento singular e precioso de reencontro se dá por outro ser humano atento, que lhe oferece suporte e validação. Um momento/espaço/lugar que, ora é cheio de falatório, ora cheio de silêncios mordazes ou reflexivos; pleno de compaixão, cumplicidade, lágrimas e risos, revelações, mistérios, surpresas, descobertas. Por vezes “estilhaça e corta”; para depois “colar e costurar”, fazendo germinar novas sementes, brotar outros ramos, quem sabe, ressurgir um novo ser…ou o mesmo…não imune à angústia, porém, se assim o desejar e permitir… Um ser mais forte, mais maduro, mais amigo de si mesmo e de suas dores, mais sereno, mais livre.