“Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias.”
Fernando Pessoa
O marketing sobre “gerenciamento do tempo” está na moda: treinamentos sobre como aumentar a produtividade no trabalho,estar em boa forma física, cultivar pensamentos “positivos”, ter uma família modelo etc. Enfim, ser bem sucedido em tudo, ao mesmo tempo. Para o mentor de um desses, em uma postagem na internete escreviam queixas do tipo: “Começo a ler vários livros para ficar “antenado”, mas termino nenhum; não consigo manter minha casa organizada nem encontrar tempo para visitar meus parentes e amigos. As oito horas do meu dia nunca são suficientes e estou sempre com a sensação de que fiquei devendo algo. Tem jeito para mim?” Pedidos de ajuda para realizar centenas de coisas que julgavam ter de fazer nas 24 horas diárias que a natureza lhes disponibilizou. Em outra situação, depoimentos sobre dietas e dicas para dormir menos com o objetivo de ganhar tempo para produzir mais!
Os fatos óbvios de que não somos máquinas, de que somos diferentes uns dos outros, e que não há artimanha possível que controle a dinamicidade da vida são, curiosamente, desconsiderados. Em seu lugar, esquemas complexos, desenvolvidos sob a égide de instituições e mentores de renome, veiculados por uma linguagem tautológica, excessivamente efusiva, que apregoa ser possível tirar “leite de pedra”. Intrigante dificuldade de aceitar e se entregar à ordem natural da existência. A impossibilidade de ser três em um (sem medo, tristeza ou estresse, mas com foco, autoestima e disciplina) passa a ser vista como um transtorno ou síndrome. Os “ineficientes” começam a sentirem-se incompetentes e a crer nessas promessas – as mesmas que, compradas, contribuem para que os “homens da motivação” enriqueçam ainda mais e figurem como verdadeiros exemplos de sucesso a serem copiados. Vendem-se dicas “científicas” de como devemos agir para não “fracassarmos”: somos transformados em robôs que vivem para atingir metas. O uso de emoções é “permitido” como uma espécie de adorno, em ocasiões específicas, desde que não comprometa os resultados previstos (é recomendado veementemente, por exemplo, não pensar em questões afetivas e “pessoais” no trabalho e vice-versa – como se fosse possível programar-se para deixar de ser humano por um tempo previamente determinado).
Muitos chegam à psicoterapia com a sensação de total inadequação. Sentem-se à parte desse esquema, mas, devido a tanta pressão, acabam por julgar que há algo de errado com eles. Buscam, então, fazer parte do “time dos vencedores” para não ficarem “de fora”, mesmo amargando a frustração de não viverem do modo com o qual realmente se identificam. As vantagens e necessidades de uma maior organização quando o objetivo é trabalhar melhor e realizar sonhos são indiscutíveis. Nada de errado quanto a isso. A questão que leva muitos a procurarem a terapia e que denota o sofrimento que denunciamos é a sensação constante de falta, menos valia e desconforto vivenciada por aqueles que tentam, a todo custo, se adequar à falsa imagem, vendida permanentemente na mídia, de que se pode ser um super- homem ou uma supermulher sem nenhum resquício de sofrimento ou outra manifestação humana. E de que fama e dinheiro são os indicativos precípuos do sucesso e do valor de uma pessoa. Nem tudo que se planeja para o espaço de uma vida é passível de ser realizado. Nem haveria sentido em se fazer tudo o que o outro faz ou copiar seu estilo de vida, sentindo-se bem e confortável com o próprio jeito de viver.
A preocupação exacerbada em sentir-se desejado pelo que se aparenta ser e que se torna, por vezes, mais importante do que ser respeitado pelo que nos torna únicos – priorizando a aprovação alheia e as imposições do sistema a despeito das próprias convicções, é uma questão que se pode investigar melhor durante a psicoterapia – um processo de autoconhecimento. Afinal, é luta inglória tentar competir com o tempo ou com o restante da humanidade. Suficiente desafio já nos é colocado ao competirmos conosco mesmos: tornarmo-nos melhores hoje do que fomos ontem. Dentro do tempo que dispomos e a partir do que já somos.